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Fome de que

Eles não veem novelas, se enovelam em novelos humanos; não velam só revelam a novela humana em novenas sacroprofanas. Júlio César de Carval...

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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um dia em 1959


1959. Córrego do Ouro pequeno distrito de Campos Gerais, Sul de Minas. Estávamos no meio de uma extensa lavoura de café. Zezé, fósforo na mão, abaixou-se e pegou um enorme broto de chuchu seco, colocou no canto da boca riscou o fósforo e acendeu aquele ramo depois ofereceu como em um ritual tribal dos grandes filmes de faroeste; naquele momento com a fumaça tecendo a sua magia dei a minha primeira tragada. Logo, saímos em louca cavalgada driblando os imensos pés de café como se fossem montanhas. O dia era longo e nos aventuramos naquele terreno sinuoso. Descobrimos um pequeno vale onde um leito de água navegava fazendo curvas e versos sonoros. Zezé parou numa pequena ribanceira e me convidou para deixarmos o rio mais caudaloso... Época de colheita e dezenas de pessoas após os grãos colhidos numa coreografia impressionante iam peneirar o café, jogavam-no para o alto e antes da volta para o fundo da peneira sopravam com força formando aquela nuvem de cascas e pó. Tio Joel apareceu com uma pequena peneira colocando-a em minhas mãos desafiando-me a abanar o café, nas minhas peneiradas os grãos não tinham a obrigação de voltar para a peneira podendo a sua livre escolha tomar o caminho que lhes interessasse. Mamãe olhava aquilo e sorria largo apesar do preto vestido.Vovô tinha falecido e a nossa ida era para prestar as homenagens naquele rito de passagem...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Espaço Pessoal, espaço novo.


      Fui convidado para assistir a pré estréia de "Cidade dos Outros", peça dirigida por Amauri Tangará; com texto de Juliana Capilé e atuação da própria Juliana e Tatiana Horevicht; máquina de cena Paulo Kruchowisk; música cênica Ebinho. Mendigos e suas subjetividades em uma cidade que engole, rumina e vomita, mas mesmo assim lá no fundo quase sumindo um desejo ético se manifesta. O mais interessante é o espaço novo que se mostra, na saída para a Chapada entre árvores, um galpão. Muito bacana.

Minha Cidade, 31 de Março de 2010


      A cidade em que  moro está completamente abandonada. E o que impressiona é que os que nunca cuidaram da cidade ou cuidaram minimamente, em um passado recente, afirmam esta situação de abandono.
      Com discursos me convenceram; então dei uma procuração para que alguns me representassem na feitura daquilo que era um desejo meu e, creio, de milhões de outros: Sermos felizes na cidade.
      Mas tomando como exemplo, a minha cidade, que pode ser referencia e ter como referencia milhares de outras pelo Brasil, chego à conclusão que fui enganado, não cumpriram o trato. Estes aos quais depositei meu voto, autorizando que me representassem para fazer da cidade uma cidade que me contemplasse com o meu desejo de ser feliz, simplesmente se isolam em gabinetes, em cujos corredores só é permitido o tráfego daqueles que negociam, num traço evidente de que a economia realmente canibalizou a política.
      Eles mandam pintar os meios fios e aparar a “grama”, tirar o mato, das vias mais utilizadas. No caso da minha cidade, são duas ou três que causam impacto midiático. As outras são tão esburacadas, são impeditivas, não querem que circulemos.
      Embora saibamos através de jornais e revistas que muito dinheiro foi liberado para cumprir os projetos de esgotamento sanitário que significa qualidade de vida, não percebo ação nenhuma neste sentido, daí temos que cavar fossas nos quintais e calçadas. Assim facilitamos para a dengue e todas as pestes que advêm deste descaso. Triste.
      No trânsito não existe sinalização, o que causa uma beligerância constante, um duelo sem fim entre humanos e humáquinas – Uma simbiônica entre humanos e seus bólidos empeliculados.
      Na minha cidade não tem praças, não tem uma salinha de cinema, um parque, não tem um local para caminhadas, para andar de bicicleta com meus netos e filhos. Não tem teatro. Um Centro cultural , ah! Nem pensar. Penso que a idéia deles é nos manter confinados; se aceitamos passivamente esta sugestão, confinados ficamos, um BBB real. Pena que as mesas redondas só discutam o BBB da prateada.
      Aumenta consideravelmente a população que escolhe a rua para colocar o seu “colchão”, crianças, adolescentes, adultos, homens e mulheres. Um cenário circense configura-se nos semáforos, são malabaristas, trovadores, poetas, limpadores, bêbados e aqueles que vivem para a pedra, todos em busca de uma moeda fria, climatizada.
      As instituições públicas e as organizações não governamentais têm um discurso bacana, mas percebo também que problemas e discursos se retroalimentam e desta maneira quanto mais, melhor né! Até mesmo porque tem que existir matéria prima suficiente para justificar tantas siglas.
      Enchentes, alagamentos, crises na saúde, na educação, na segurança pública,no Executivo, no Legislativo e, agora, pasmem! No Judiciário. Até o Bode está com as barbas de molho. Aqueles que prezam pela sua conduta moral e que transcendendo tem um elevado espírito coletivo, não podem permitir que nódoas os façam descumprir a sua milenar cartilha.
      Vivemos que nem codornas botadeiras, quanto mais stress mais chocos os ovos do medo.
      Daí, fico pensando: o orçamento não é o problema. O dinheiro é tanto que não tenho como mensurá-lo. Imagino um grande saco furado e as moedas caindo a medida que os passos (des)configuram o caminho. O que será que coleta estas moedas perdidas?
      Como fazer da cidade uma cidade justa que cumpra tudo aquilo que ela promete? Quando almejamos ficar juntos, nos rela(r)cionarmos, aceitamos de bom grado mecanismos que controlassem as nossas paixões, os nossos excessos, em alguns momentos até coercitivos, tudo isto para que tivéssemos, todos, o direito de usufruirmos de uma pequena parcela de liberdade, que significasse a nossa segurança, a segurança de nossa propriedade, de nossos bens, que garantisse a nossa felicidade em sociedade. Pactos e contratos foram elaborados. Criamos uma estrutura, hoje monstruosa, para garantir tudo isto.
      Qual o motivo, então, de não termos esta garantia? A impressão é que depois de tanto tempo nos controlando perdemos aquele mínimo de apetite necessário para subverter aquilo que nós mesmos nos injetamos: O desejo de obedecer por obedecer, por preguiça. Este tipo de obediência não nos faculta o direito à desobediência. Se não nos exercitamos perdemos o direito à felicidade, a Liberdade.
      A letargia cria uma espécie de catarata que anuvia os nossos olhos dificultando a nossa visão, a nossa percepção; não intuímos mais; resta-nos o instinto que também aos poucos vai nos abandonando. Se perdemos tudo isto concordo quando alguns dizem que estamos desumanizados, afinal ser humano é ser um animal instintivo, que intui, que percebe, que usa a razão como exercício. É o que nos diferencia.
      Em contra partida infovias são criadas com muito mais facilidades e somos sutilmente induzidos a ocupá-las. E assim, aos poucos, vamos abandonando as calçadas, deixamos de seguir as nuvens, sujar as botas, trocarmos afetos. E a minha cidade cada vez mais abandonada.
      O que esta por detrás desta foto? Qual é a intenção? Não podemos ter medo da pergunta, de perguntar.

Jota
aqui do desbarrancado